PORQUE PAROU?

PORQUE PAROU? Não me considero uma pessoa de muita idade, tenhomenos de meio século de vida, o que, para um trabalhador do Direito ou da Educação, pode significar o auge do amadurecimento profissional. Quem tem a minha idade, todavia, pode ter avós que nasceram no final do século XIX e tem tios e pais que nasceram na primeirametade do século XX. Isso quer dizer que, pelas históriasouvidas de pais, tios e avóse pela experiência por si mesmo vivida, quem tem essa idade tem a oportunidade de poder avaliar osavanços e retrocessos do paísnos séculos XX e XXI, sem precisar recorrer aos livros de história. Venho de uma família de muitas professoras e de poucos juristas no passado.Eu mesma transitei e transito entre as duas funções, inclusive no seio do próprio Judiciário. Ouvi histórias do prestígio social dos professores no passado, ao contrário do que ocorria com juízes e promotores que, com precárias condições de trabalho, tinham enormes dificuldades para manter a família e cumprir suas atribuições em comarcas do interior, pouco dotadas de recursos materiais e humanos. O desmantelamento da carreira pública dos professores é fato público e notório, situaçãoque, desde a constituição de 1988, com avanços ainda tímidos, se busca corrigir, especialmente com a fixação de um piso nacional de salários e a instituição de um fundo nacional para financiamento da educação . No plano da Justiça, a constituição cidadã e suas reformas posteriores também trouxeram avanços significativos, como o aumento de atribuições e de autonomia administrativa do Judiciário e órgãos auxiliares, ampliação de competências e valorização das garantias funcionais da magistratura. Mas,que sentido faz comparar duas funções estratégicas do estado e suas respectivas carreiras nos dias de hoje? Faz sentido porque não é demais lembrar que as conquistas políticas e sociais defunções estratégicas do Estado precisam de luta tanto para sua implementação, quanto para sua manutenção. Tivesse o Estado mantido o prestígio social e a valorização que a carreira de professor teve no passado, muitas lutas atuais dos professores e da sociedade seriam desnecessárias. A perda dos bons quadros profissionais da educação e a queda da procura por cursos de licenciatura são fatos notórios que hoje ocasionam a falta de professores em várias disciplinas, especialmente as de base técnica e tecnológica de que tantos profissionais o país carece. Aqui as políticas de valorização da carreira, ao lado da melhoria estrutural, precisam caminhar a passos largos e certeiros. E o Judiciário? Os avanços atuais são relevantes, mas uma rápida análise da situação presente também permite registrar algumas preocupações: - Muitas Varas do interior dos diversos estados da federação continuam sem condições estruturais mínimas que possibilitem aos juízes o cumprimento das metas de resultado fixadas pelo CNJ, que, por isso, terminam recaindo sobre a figura do Juiz; - As ameaças à integridade física e psicológica dos juízes vem crescendo, inexistindo atualmente uma política institucional de segurança e saúde na maioria dos Tribunais; - As violações às prerrogativas da carreira, especialmente, à independência, tem sido alvo de ameaças constantes, seja por agentes externos, seja por agentes internos ao próprio poder. Porque, como os professores fizeram há alguns dias, os juízes também param hoje? Param porque é preciso chamar a atenção das chefias dos três poderes constituídos para o fato de que a independência e a harmonia entre os poderes é instituto basilar do estado democrático de direito; Param para evitar o retrocesso das conquistas da constituição cidadã que garante a independência, a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos como prerrogativas da carreira instituídas em prol dos cidadãos; Param porque a preservação da independência da magistratura também se dá pelo respeito aos mecanismos constitucionaisinstituídos para fazer valer as garantias da carreira; Param porque todas as tentativas institucionais de fazer com que o Poder Legislativo vote anualmente a simples recomposição inflacionária dos subsídios, vemsendo frustrada há cinco anos,desta feita com a interferência direta do poder executivo; Param porque o mecanismo de recomposição salarial criado na constituição para preservar a irredutibilidade dos vencimentos, ao ser descumprido, leva a especulações da imprensa de que os Poderes Executivo e Legislativo assim o fazem para pressionar o Judiciário na votaçãode matérias de interesse daqueles poderes, violando a imagem de imparcialidade e independência que o Judiciário tem o dever de zelar; Param porque não se pode esperar que a desvalorização da carreira, que já dá os seus primeiros sinais, avance silenciosamente sem resistência dos que fazem a história da magistratura neste século XXI e que, por isso, paguem com a vida e a saúde de seus membros; Param porque osatos anteriores não foram suficientes para denunciar o descumprimento das garantias constitucionais e a morosidade da implementação das metras estruturais de melhoria das condições de trabalho; Param porque, sem se afastar da jurisdição, concentrarão neste dia 30.11.11 o atendimento aos jurisdicionados e a prática dos atos relevantes, manifestando seu direito fundamentalde resistência em prol da preservação das garantias da própria função. Formiga, 30.11.2011 Graça Maria Borges de Freitas 1 A greve de muitos dias dos professores da rede pública estadual de Minas Gerais denunciou que um dos estados mais ricos da nação ainda não cumpre a Lei que fixou o piso nacional de salários dos professores. 2 Juíza Federal do Trabalho, titular da 1ª Vara do Trabalho de Formiga-MG. Graduada em Pedagogia e Direito pela UFBA, Mestre em Direito Constitucional pela UFMG

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